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domingo, 21 de dezembro de 2014

Sobre: o 'Huck' que existe em você

Não, não vou defendê-lo, de forma alguma, pela gafe cometida com a atleta Laís. O que eu quero é fazer com que as pessoas reflitam.
Vi muitos compartilhamentos sobre a gafe e, todos comentando o quanto o comentário dele foi sem noção e absurdo. Aí, eu te digo: você certamente já teve o seu momento Huck. Talvez você não se lembre, talvez vá lembrar agora que eu te fiz forçar a memória. Talvez não lembre nunca, pois a noção que faltou ao comentar algo do tipo ainda está lhe faltando.
Achei a resposta da atleta até delicada, ao dizer que "deve ser a única vantagem", quando ele disse que pelo menos agora ela não ia sentir mais a dor da tattoo. Ela poderia ter dito "preferia sentir". Mas até que dá no mesmo, pensando bem. Eu entendi que ele quis "consolá-la" dizendo "olha, tem uma coisa boa no meio disso tudo", entendi, mesmo que tenha sido um tiro no pé. E sabe por que foi? Porque SEMPRE É. Porque não, colocando na balança, NÃO é vantagem não sentir a dor da tatuagem, já que tem muitas outras coisas que ela não pode sentir. E pra piorar, quando é algo recente, esse tipo de comentário tem impacto mais negativo ainda. A pessoa ainda está digerindo o que aconteceu, ainda lamenta, sente saudades "do que era" (sim, entre aspas, porque, um dia, ela descobre que ainda é a mesma pessoa), provavelmente ainda chora todos os dias, mesmo que diga que não.
Acho que muita gente precisa olhar pra dentro de si, achar seu "Huck" e eliminá-lo.
Eu já ouvi de MUITA gente, MUITOS amigos, inclusive, comentários desse tipo. Eu ainda não sei se é pelo desconforto que as pessoas sentem ao falar em um assunto delicado, não sei se é pela "obrigação" que elas sentem em "nos consolar", como se toda vez em que falamos em deficiência estamos reclamando. Na verdade, na grandessíssima maioria das vezes, estamos nos vangloriando de superações, de descobrir que aquele limite imposto pelos outros, está apenas na cabeça dos outros.
Quando eu digo que meu filho ainda não faz tal coisa, ou que outra coisa ele nunca fará, eu não quero ouvir "MAS...". Eu falo porque sou realista, não porque estou reclamando e precisando "ver o lado 'bom' disso".
Normalmente, escuto: "ah, pelo menos ele não é bagunceiro", "sua casa está sempre arrumada", "ele te deixa tomar banho", "não precisa ficar correndo atrás dele o tempo todo"... Por aí vai. Eu costumo ficar meio chocada em como isso poderia me servir de consolo. Apenas falo que um dia ele vai fazer tudo isso.
Pois deixa eu explicar: ele bagunça o quarto dele sim. Meu banho na maioria das vezes pode ser tranquilo, mas tem dias que não consigo lavar os cabelos, dias que nem banho consigo tomar, igual a qualquer mãe. Meu almoço é sempre adiado também. Minhas noites de sono são péssimas e, isso não vai passar. Colocando na balança, não, eu não prefiro poder tomar um banho de 15 minutos porque meu filho fica quieto, deitado, esse tempo. Ele só fica quieto porque não anda. Não, eu não prefiro que minha sala fique sempre arrumada, se eu pudesse escolher, ela viveria bagunçada. E sim, eu preferia correr atrás dele o tempo todo, do que viver aflita pensando 'será que ele vai conseguir?'." E eu luto justamente para que isso aconteça. Acha cansativo ter que repetir 10 vezes a mesma coisa para ensinar seu filho? Eu provavelmente vou repetir por meses ou anos. Ou a vida toda. E você nunca me viu reclamar disso. Você me viu comemorar quando ele aprendeu a dar tchau. Foram 3 anos ensinando-o. Quando você me vê desabafar, dizer que é difícil conviver com a deficiência cognitiva, não passa de um desabafo mesmo. Creio que a única reclamação que me viram fazer foi a de não dormir há quatro anos. E ainda assim, demorei a sentir isso me atrapalhando.
Precisa ficar claro: Qualquer alegria que ele me dá, é muito maior do que qualquer angústia. Tanto que só consigo focar nas coisas positivas. Não sobra espaço para lamúrias. Como eu sempre digo, o amor supera qualquer dificuldade que tenhamos por aqui. Qualquer uma mesmo. Eu agradeço por cada mini evolução que ele tem. Não pense que eu invejo algum filho alheio, pois eu não trocaria ele por ninguém.
O meu único problema é não ser imortal enquanto ele dure.
Então, não precisamos de consolo, não precisamos de "MAS...". Precisamos de compreensão, apenas isso.

3 comentários:

  1. O melhor texto que vc escreveu! Adorei!

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  2. Olha, achei lindo seu texto. ....mas é duro para o outro lado também. Meu filho tem um problema de audição e eu também ouço os MAs, mas....MAS sabe, o que o outro lado deve dizer ?: "Puxa, que azar o seu né....ou dizer: Nossa, coitada de vc. Que sofrimento " Acho que às vezes cabe a nós , a quem está do lado de cá, entender quem está do lado de lá. Desculpe, não quis parecer rude...a vida é que é complicada né...

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    1. Mas foi exatamente o que eu quis dizer com o texto. Mostrar o que a pessoa do outro lado pode estar pensando. Mas eu faço questão de dizer porquê ela está equivocada e não consigo me conformar apenas com "o mundo é assim mesmo", pois nós que construimos o mundo 😉

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