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sexta-feira, 1 de julho de 2016

Sobre a solidão da criança com deficiência.

Esse é um post que tenho vontade de escrever há séculos, mas é um assunto muito delicado pra mim, talvez o mais delicado sobre ter um filho com deficiência. Ainda mais sendo filho único (mas isso não significa que eu queira outro filho, nem comecem a perguntar).
Nossos filhos são o tempo todo privados de serem criança. Temos uma taxa baixíssima de crianças com deficiência nas escolas. Vocês não se perguntam o que elas estão fazendo, em vez de estarem brincando e estudando? Elas estão em casa, na maioria das vezes com suas mães. De sorte algumas estão com pai e mãe. Muitas estão abandonadas em abrigos. Muitas abandonadas em casa mesmo. As que estão em casa com "a sorte" (obrigação do adulto né?) de serem cuidadas, que tem acesso a tratamento, o máximo de sua socialização é com adultos. Isso sem falar das que nem isso, nem tratamento conseguem, vivem para sobreviver, literalmente. Adultos que estão ali, apesar de muitos terem amor à profissão e aos pacientes, estão ali para trabalhar. Estão ali para usar seu conhecimento levando uma melhora na qualidade de vida dessas crianças. Ok, lindo, isso é fundamental e se tem uma gratidão (detesto o modismo da palavra mas não achei outra melhor) que eu tenho na vida é pela existência dessas pessoas.
Mas, e os amigos? Toda criança tem amigos. Pode não ser a mais popular da creche, escola, da rua, pode não ter nem 5 amigos, mas 1 ela tem. Na escola ela tem uma rede social de pelo menos 10 crianças convivendo diariamente, brincando e, fora da escola, vai ter 1 amiguinho pelo menos pra ir em casa brincar. Na rua dela, ela tem alguns amigos pra bater uma bolinha. No parquinho ela é chamada pra brincar. Por outras mães, ela é convidada às suas casas. Mas não as nossas. Quando muito, nossas crianças são convidadas às festinhas dos filhos das amigas da mãe (isso quando a mãe tem amigos tá? Porque além disso existe a solidão da mãe de pessoa com deficiência), pra cumprir cota sabem. "Vou chamar todo mundo, não posso deixar de chamar ele". Muitas nem isso, chamam uma turma inteira e deixam a criança com deficiência de fora. Porque elas não se aproximam das nossas crianças, não enxergam que, como qualquer outra, o que elas gostam é de brincar. E elas sabem brincar sim, viu? Pode não ser igual (e brincadeira tem regra agora?!), mas elas se divertem e interagem. Mas não, elas não servem pra serem aquele amiguinho próximo do vosso filho. "O que meu filho vai fazer sozinho com uma criança com deficiência? Vai brincar como? Vai ser o mesmo que ficar com uma parede". As mães de neurotípicos pensam e demonstram claramente esse pensamento, não precisam dizer um pio.
Nós, mães """especiais""" (detesto esse termo , se referido à nós mães, mas botei de ironia mesmo), nós temos o poder de ler o pensamento alheio, sabem? Não adianta qualquer mãe adotar discurso de inclusão, dizer que não tem preconceito, mostrar compaixão (que na verdade a gente percebe que é pena disfarçada), porque no seu olhar, nas suas ações, a gente sente de longe o cheiro da exclusão, do preconceito, da discriminação. Tem gente que se esforça pra disfarçar tudo isso aparecendo de vez em quando na nossa vida oferecendo uma ajudinha, daquele tipo mais pra sociedade ver do que pela gente mesmo.
Ver meu filho sozinho todo santo dia, sem ninguém chamá-lo pra ir a um parquinho, brincar no play, ver um desenho, se convidar pra vir aqui brincar com ele (quem me conhece sabe que tem muito essa liberdade e não seria deselegante, não usem essa desculpa), me dói a cada dia mais. Quando ele escuta as crianças da rua brincando, rindo alto, gritando, e abre um sorriso enorme, dá gargalhadas, eu só quero chorar. Quando ele vai ao parque, às festas, brinca sozinho. Ele pode estar cercado de 100 crianças que, no máximo aparece uma pra interagir uns minutinhos. Esses minutinhos, muitas vezes com crianças que sequer conheço as mães e elas nem vão saber disso, são tão preciosos que eu posso classificar entre os mais felizes de nossas vidas. Essa coisinha assim, simples mesmo.
Eu já cansei de insistir em incluir meu filho nos lugares, antes que venham me cobrar (acreditem, as pessoas ME cobram, como se não fossem elas que tivessem que abrir a porta para nós entrarmos). Essa luta diária, que envolve insistir, pedir migalhas da sociedade, isso é o que cansa. As pessoas acham que deve ser moleza ter que lidar com terapias, cuidados especiais em casa o tempo todo, e ainda ter que dar lição de moral na sociedade, chegar peitando e abrindo as portas fechadas na nossa cara. Tem gente que desiste e essa gente não é fraca não. Não julguem os pais que depois de tanto socar ponta de faca, se retraíram. Mas questione se há algo errado, reflita.

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